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O QUE HÁ POR TRÁS DA BRIGA DE 8 PAÍSES SUL-AMERICANOS COM A AMAZON

Cabo de guerra entre as nações e a empresa de tecnologia pode ter impacto na governança da própria internet

 

É um nome que evoca grandes proporções: a maior floresta tropical do mundo, uma empresa global de tecnologia e agora uma saga diplomática que está prestes a terminar.

Após sete anos de disputas, a Corporação da Internet para Designação de Nomes e Números (ICANN, na sigla em inglês) deu um prazo final para que a Amazon, gigante do comércio eletrônico, e os governos de oito países sul-americanos cheguem a um acordo sobre como usar a extensão “.amazon” .

O cabo de guerra entre as nações e a empresa de tecnologia pode ter impacto na governança da própria internet.

As duas partes precisam chegar a um acordo até 7 de abril, a fim de evitar uma decisão unilateral da diretoria executiva da ICANN.

Mas, para entender o que está em jogo, precisamos voltar a 2012, quando a Icann decidiu ampliar sua lista de domínios genéricos de nível superior (gTLDs) – os nomes que vêm depois do ponto – como o “com” em sites “. com”.

Novos domínios

As novas regras permitiram que as empresas solicitassem novas extensões, oferecendo aos usuários e às marcas novas formas de personalizar o nome e o endereço do site.

Com cerca de 4,4 bilhões de usuários de internet espalhados pelo planeta, as regras também aceitam nomes de domínio genéricos registrados em caracteres não-latinos.

No entanto, a ICANN criou regras especiais para extensões que remetam a localizações geográficas ou geopolíticas e comunidades étnicas, linguísticas e culturais – tornando mais fácil para qualquer um se opor ao uso desses nomes.

Aposta da Amazon

Entusiasta das novas regras, a Amazon solicitou 76 novos nomes de domínio de nível superior, incluindo .app, .free, .cloud e .kindle – ao custo de US$ 185 mil cada apenas em taxas de inscrição.

O Google foi ainda mais longe e reivindicou 101 novos domínios de nível superior, enquanto uma start-up chamada Donuts, fundada com o único objetivo de registrar e administrar novos gTLDs, solicitou 307 – um indício de quão lucrativo algumas pessoas acreditam que o novo negócio de gTLDs vai ser.

Até 28 de fevereiro de 2019, como mostram as estatísticas mais recentes, 1.232 novas extensões tão variadas quanto .blog, .you, .pet e .fitness haviam sido aprovadas.

A ICANN recebeu um total de 1.930 pedidos para nomes de domínio de acordo com as novas regras.

Locais com nomes geográficos incluem .london, .rio e .istanbul – mas oito países que abrigam a Floresta Amazônica se opuseram aos planos da gigante de tecnologia em relação ao domínio .amazon.

Houve muitas tentativas de acabar com o impasse, mas até agora essas tentativas foram em vão.

O que os oito países querem

Os governos da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, todos membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), argumentam que abrir mão do domínio exclusivamente para a Amazon poderia impactar questões de soberania.

Diplomatas explicaram à BBC que não estão tentando impedir o uso do domínio pela Amazon, mas propondo uma “gestão compartilhada” do mesmo.

De acordo com a proposta deles, a Amazon seria imediatamente autorizada a usar os domínios que são relevantes para seus interesses comerciais, como “books.amazon” ou “kindle.amazon”.

Cada país, por sua vez, teria o direito de usar domínios relacionados à sua herança cultural – imagine nações da Amazônia se unindo para promover a região sob o domínio “turismo.amazon”, por exemplo.

Essencialmente, os países querem criar um comitê no qual tanto a Amazon quanto as oito nações terão a oportunidade de levantar objeções a novos domínios de nível superior no futuro.

O que a Amazon quer

A Amazon rejeitou essas propostas e ofereceu aos países a possibilidade de usar a extensão .amazon associada a duas letras representando cada país – br.amazon para o Brasil, por exemplo, ou, no caso da OTCA, o acrônimo da organização.

A empresa se recusou a comentar o caso antes do prazo de 7 de abril, mas destacou comentários anteriores do seu vice-presidente de políticas públicas, Brian Huseman, que prometeu que a Amazon “não usará os TLDs de maneira confusa”.

Em documentos do processo, a Amazon prometeu trabalhar com os governos para identificar e impedir o uso de “nomes que afetem questões nacionais sensíveis” e se comprometeu a apoiar novos domínios de nível superior que usem termos locais como .amazonia e .amazonas.

No ano passado, a empresa tentou persuadir os países prometendo US$ 5 milhões em serviços gratuitos de e-readers e hospedagem do Kindle. A oferta foi recusada.

Em carta enviada à ICANN em março, o embaixador equatoriano nos Estados Unidos, Francisco Carrión, disse:

“Não estamos buscando uma compensação financeira. Também não estamos atrás de concessões para usar um ou alguns domínios de segundo nível. É uma questão de soberania para muitos de nós, e a oferta para compartilhar os TLDs com a empresa Amazon Inc. já é um compromisso “.

Outras disputas

Outras disputas do gênero já aconteceram e foram resolvidas.

Em 2013, a marca de roupas Patagonia, com sede nos EUA, retirou um pedido para a extensão .patagonia após objeção da Argentina e do Chile.

Uma empresa com sede no México teve que chegar a um acordo financeiro com a cidade de Bar, em Montenegro, a fim de obter o consentimento para registrar a extensão .bar.

E em 2016 a ICANN concedeu o registro do gTLD .africa a uma instituição de caridade com sede em Joanesburgo, na África do Sul, depois de receber apoio de três quartos dos países da União Africana.

Mas o caso da Amazon tem sido uma saga bem diferente de qualquer outro.

O pedido da empresa foi inicialmente deferido, mas diplomatas brasileiros e peruanos conseguiram anulá-lo, garantindo o apoio do grupo que representa os governos na ICANN – o GAC.

Isso por si só exigiu pressões diplomáticas para mudar a posição dos EUA de apoiar a Amazon Inc e permanecer neutro na disputa.

A Amazon recorreu e um painel de revisão ordenou que a ICANN tomasse uma decisão chegando às suas próprias conclusões.

Se as duas partes não chegarem a um consenso até 7 de abril, a Amazon terá duas semanas para defender seus argumentos novamente antes de a ICANN tomar uma decisão.

Cabo de guerra

O caso está gerando questionamentos sobre a independência da ICANN.

Brian Huseman, da Amazon, disse à ICANN que “globalmente, centenas (se não milhares) de marcas têm nomes semelhantes a regiões, formações de terra, montanhas, cidades e outros lugares geográficos”, mas essas marcas poderiam se abster de solicitar novos gTLDs por causa da “incerteza da proteção sui generis da ICANN aos nomes geográficos”.

A corporação americana está sob pressão para resistir à imposição dos governos e alguns acreditam que pode estar mais aberta a argumentos vindos do setor empresarial desta vez.

Mas Daniel Sepulveda, que serviu como embaixador dos EUA, subsecretário adjunto de Estado e coordenador de comunicações e políticas de informação de 2013 a 2017, diz que “a comunidade da ICANN cometeria um erro se menosprezasse as preocupações do Brasil ou se envolvesse em uma retórica libertária agressiva”.

O modelo pluriparticipativo de governança da internet significa que o ICANN precisa encontrar um bom equilíbrio entre os interesses e liberdades de empresas, organizações e indivíduos que usam a internet sem alienar ninguém, escreveu Sepulveda no blog do Council of Foreign Relations.

“Esta é uma situação delicada que exige diplomacia, o exercício do respeito mútuo e mecanismos criativos para garantir que todos os lados se sintam tratados com justiça.”

 

Fonte: Artigo de Pablo Uchoa publicado pela BBC World Service em 03/04/2019, 06h33, disponível em https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2019/04/03/o-que-ha-por-tras-da-briga-de-8-paises-sul-americanos-com-a-amazon.htm